Estradas de Silêncio e Sonhos

Viajar o silêncio das palavras ao vento. Descobrir o som do amor nos cantos da praça. Sonhar a esperança das cores em vozes dissonantes. Questionar o insensato. Ver, ouvir, tocar, pensar, agir, criar, estar, ser. Viver!

O homem de pedra 15/10/2014

Filed under: Palavras ao vento - Meus Contos — cristianeurbinatti @ 16:25
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Pôr-do-Sol

Um caminho de pedras à beira do rio. O som dos pássaros na copa da árvore. A água gelada corre a montanha. Os pés da menina descalços na terra. Ela corre, ela ri, ela grita: “Voltaaaaaaaa!” Num grito alado, fôlego de criança.

_ Voltaaaaaaaaaa!

Na casa, as cortinas balançam ao vento. O canto da mãe embala o vazio das horas. Cozinha, de pés descalços, canta…

A menina vai longe sem saber pra onde voar – “Volta! Voltaaaaaaaaa!” – segue o balão de gás vermelho no céu, que vai sangrando, valsando com o vento. Desenhando no espaço a saudade do antes.

A tarde se põe e o negrume da noite invade o casebre detrás do morro. A mãe põe a mesa e a menina vai longe. A mãe sente o coração beliscar. A menina não pode parar. Uma lágrima escorre no rosto pálido da mãe. O espanto surge no canto da boca da menina. A mãe quer gritar “Volta!” A menina calada observa a imagem do homem na pedra.

A comida no prato esfria na mesa. A imagem da mãe pela janela. Nada vê, o corpo estremece, não sai do lugar.

O balão se perde no escuro da noite. A menina abraça a estátua de pedra. Sussurra: Volta! Num sopro infantil. E, então, ela sorri e corre de volta pelo caminho do rio, com os pés descalços na terra, seguindo a trilha de pedras.

A mãe a aperta nos braços, um afago feroz – “Onde estava, menina?”

“Foi meu coração!” – respondeu a menina – “Ele bateu muito longe e eu o segui.”

“Eita, menina, a comida esfriou!”

PS: Texto nascido numa tarde de Histórias Libertas, workshop ministrado por Cláudia Pucci Abrahão, no dia 11.10.14

http://historiaslibertas.com.br/

 

E o resto é silêncio… 13/09/2013

Cemitério do Araçá / SP

Cemitério do Araçá / SP

Sempre que passo pelos cemitérios da cidade tenho a sensação de sentir o silêncio que se esconde por detrás das paredes frias dessa morada. Como se uma redoma separasse o nosso mundo daquele outro. Como se fosse possível ouvir a quietude vinda de lá, enquanto o caos urbano nos engole a todos.

Tenho transitado por dias de reflexões e buscando meus recantos, reencontrando meus prazeres e ansiado muito pelo silêncio.

Ontem foi um desses dias, em que saindo de uma jornada de trabalho em direção a próxima, resolvi saltar do ônibus e seguir um trecho do percurso a pé. Estava um daqueles dias em que tenho o prazer de sentir o vento fresco, numa tarde de fim de inverno. Amo as estações amenas, me trazem a calma que eu preciso e me aliviam do barulho insistente. Então, lá fui eu pela avenida, testemunhando intolerâncias, quando passei em frente ao Cemitério do Araçá (SP).

Passei pelo primeiro portão e segui meu caminho, esses lugares me assustam um tanto. Continuei, passei direto pelo segundo portão, aberto…  Voltei… Entrei… Aquele silêncio que eu sentia, existe. Há uma calma, uma tranquilidade perturbadoras que seguem os caminhos que levam às lápides e mausoléus. Mas, naquele momento era o que eu precisava, era o que eu necessitava para me arrancar das minhas estridências cotidianas.

Caminhei e fui registrando as estátuas guardiãs desse outro mundo, o mundo de lá. Tão expressivas, tão fortes, tão cheias de histórias e marcadas pelo tempo. Como se em cada pedaço de mármore habitassem palavras de amor, saudade e esperança.

Enquanto caminhava, as últimas folhas secas dançando com o vento (elas também se enamoram dele e se despedem do inverno), dois ou três homens passavam por lá e, então, foi deles que tive medo. Medo de testemunharem meu momento de reinícios, de renascimentos, de renovações, e fui me escondendo entre as lápides e continuei registrando aquelas figuras. Notei, os olhares de vários gatos, de todas as cores e, para eles, eu era como aqueles homens que me assustaram com suas presenças…

Quis ficar mais, quis conhecer cada viela, quis registrar mais figuras, mas precisei voltar a vida real e dar continuidade a máquina.

Talvez voltarei mais vezes para roubar um pouco do silêncio e poderei criar o meu próprio LIVRO DO CEMITÉRIO, assim como Neil Gaiman criou o dele.

A morte tem dessas esquisitices…

13/09/2013

 

Silêncios que despertam 22/05/2012

Foto capturada do Facebook de Mariana Athie Gerbara.

 

Passaram-se 20 anos… Duas décadas que ligam o início de tudo e o entre do que ainda está por vir. Há 20 anos comecei a trilhar o caminho do sonho e ainda hoje persistindo, mesmo sem a certeza de onde o tudo vai me levar.

O primeiro palco no Clube de Regatas Tietê; o primeiro texto decorado, As Ondas de Virgínia Woolf, para um exercício de voz no curso dos Satyros; a primeira montagem Vestido de Noiva, no teatro Monteiro Lobato, com o grupo do Vestido, sob direção de Soraya Aguillera. Esta vida passada. Uma outra vida. Agora 20 anos depois com muitas outras histórias pra contar, com histórias presenciadas outras vividas outras desejadas.

Entendi que existe o inesperado, que existe o podre, que existe o belo, o amargo, a conquista, a derrota, a frustração, a redenção, as alegrias, as tristezas, o estupor, a perplexidade, a crença e a descrença, a vontade, o talento, o dom, a inveja, as lágrimas, os sorrisos, os abraços, a desilusão, o amor, a paixão, a separação, a decepção, a descoberta, a maravilha, a morte, a vida, a vida, vista e vivida, vida experimentada, vida degustada, beijada. Assim é o teatro, a arte, a criação, repletos de totalidade.

Não importa se são 20, 40 ou 60 anos vivendo isto, vivendo disto ou vivendo nisto. Não importa que o teatro seja menos heróico do que sonhava. Não importa se as dores são maiores do que as glórias. Não importa… Mas quando passo por aqueles dias em que o coração aperta com as incertezas, poder ouvir uma voz preenchendo os céus com melodias cristalinas, harmoniosas, e devastadoramente encantadoras; ou um corpo dançando a vida com movimentos belos, alados, perturbadoramente comoventes; ou um quadro colorindo o espaço de texturas, reflexões ou impressões fulgurantes… Quando presencio algo que me faz calar por instantes, que silenciam minha alma, que aceleram minha pulsação, que tiram o meu ar, que fazem de mim espectadora do meu próprio ofício, tenho a maior certeza dentre as incertezas do caminho: não poderia ter feito outra escolha senão me render perdidamente à CRIAÇÃO, à ARTE, ao TEATRO.

Hoje foi um desses dias assim… em que vozes preencheram-me com seus cantos e me calaram e me tiraram o ar e me completaram e me levaram a esta sangria de palavras ao vento.

Agradeço aos céus por existir tanto TALENTO no mundo recheado do DOM divino da criação.

Persistindo!

 

Vontades que persistem… 18/05/2012

Filed under: Vozes Dissonantes - Minhas Reflexões — cristianeurbinatti @ 2:00
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Mais vontades: vontade de comer pipoca sem engordar, de ter mais amigos de verdade e menos colegas, dessa dor de cabeça me abandonar, de ficar mais tempo com meus dogs, de que meus pais e minha irmã durem para sempre, de ver mais poesias e de ler menos violência, de mais gentileza, mais delicadeza e mais beleza, de ter menos preocupações, de viajar mais pra qualquer lugar do mundo livremente, de acreditar mais, de duvidar menos, de confiar na bondade humana, vontade de estar com 15kg a menos e com 100% de certeza nos caminhos a seguir, de brincar mais como criança… Vontade de estar em todos os lugares que desejo ao mesmo tempo ou estar em lugar nenhum, vontade apenas de estar onde o vento me quiser!